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Entrevistas

A Cura que Brota da Mata
 
Revista Bons Fluidos
Por Maria Helena Pugliesi

Essa expressão já sugere saúde, natureza, ciência.

Acompanhe a interessante jornada da jornalista Maria Helena Pugliesi ao Centro de Ecologia Médica Florescer na Mata. Até um remédio para sua insônia ela colheu.

 

Texto: Maria Helena Pugliesi

Fotos: Marcos Lima

 

O momento era mesmo perfeito para ir conhecer o trabalho gratuito que o ambulatório do Centro de Ecologia Médica Florescer na Mata vem desenvolvendo desde julho de 2007 em parceria com o Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo.

 

Minha insônia não deu trégua aquela noite e quem sabe ali, por meio da prescrição de remédios e chás naturais, eu conseguisse a fórmula para dormir como sempre sonhei.  Resolvi então sair cedo de casa para chegar pontualmente às 8 horas na sede da entidade: uma casa simpática em Caucaia do Alto, a 50 km de São Paulo. A propriedade fica colada à Reserva Florestal do Morro Grande – 10,7 mil hectares com fauna e flora preservadas.

 

Fui recebida pela bruma típica da altitude (1040m acima do nível do mar) e pela gentileza de uma senhora, que tomou nota de meus dados pessoais e do motivo de minha vinda. Ela me pediu que aguardasse no salão ao lado até ser chamada. Juntei-me assim às outras 19 pessoas que tinham sido agendadas para aquele sábado – algumas estavam ali pela primeira vez, outras faziam retorno.  Sentados em cadeiras dispostas em círculo, esperamos pela primeira atividade do dia: uma palestra sobre o respeito pelo meio ambiente, apresentada pelo médico homeopata Fernando Bignardi e pelo agrônomo Edmilson José Ambrosano.

 

Bem, mas eu tinha ido até lá para tratar da minha insônia, o que a preservação da natureza tinha a ver com isso? Tudo, foi o que descobri escutando esses dois.  Na verdade, mais do que palestrar, Bignardi e Ambrosano foram contando causos e histórias que deixaram muito clara a importância das matas de solo vivo e puro para nossa saúde. Alimentos cultivados nessas condições, disseram eles, contêm todos os nutrientes necessários para vivermos saudáveis, diferentemente dos que são produzidos pela agricultura comercial. O objetivo desses encontros é incutir um novo olhar às áreas verdes naturais. Aprendi que o respeito é a base da sustentabilidade e o alicerce da saúde é o reconhecimento do outro, seja ele um homem, uma planta, um animal ou o meio ambiente como um todo.

 

A palestra acabou se transformando num gostoso bate-papo. Os que já seguiam a orientação do ambulatório deram testemunho de que novos hábitos amenizaram seus males.  O empresário Onivaldo Corrêa Dias contou que depois da primeira consulta, em setembro, emagreceu 9 kg. O segredo, ele disse, está em sua nova postura de vida: consome hortaliças e frutas de sua própria horta, substituiu o frango industrial pelo caipira e toma religiosamente os remédios fitoterápicos prescritos.  E assim, entre um depoimento e outro, escutei meu nome. A doutora Maria Fátima de Paula Ramos, homeopata e professora do Curso de Aperfeiçoamento para médicos, nutricionistas e veterinários da Escola Paulista de Medicina Fitoterápica da Universidade Federal de São Paulo, estava à minha espera. Por trás de uma mesa forrada de frasquinhos cheios de extratos fitoterápicos, cedidos pelo Laboratório Arte Terapêutica, de São Paulo, a doutora Fátima me recebeu cordialmente. A consulta segue o padrão da homeopatia, com ingredientes extras. Além das perguntas de praxe, a médica também dá uma aula sobre as ervas medicinais indicadas para o motivo da queixa.

 

Saí do consultório com um vidrinho na mão – cujas gotinhas devo tomar todas as noites antes de dormir – e com o nome das plantas que deveria levar para casa.  Nessa altura, o grupo inteiro já tinha sido atendido e fomos todos colher e aprender como replantar e manipular nossas espécies. Eu ganhei mudas de picão-preto e Melissa officinallis (a erva-cidreira verdadeira). Já Sueli Meng Gonçalves, uma publicitária que também estava indo pela primeira vez em busca de um tratamento mais natural para sua TPM, levou Achilea millefolium (mil-folhas) e alecrim. 

 

O passeio pela mata, a descoberta dos benefícios de plantas para as quais muitas vezes não damos a menor importância (é o caso do gervão, que nasce em áreas de pasto e com o qual se pode fazer um chá poderoso contra dores do nervo ciático) e a troca de informações e experiências não só com os médicos como também com os pacientes deram novo ânimo a todos. 

 

Ao meio-dia, quando voltamos para o salão a fim de encerrar as atividades, éramos outros. Uma certa alegria pairava no ar, as fisionomias estavam descontraídas. O motivo, quem arriscou foi Benedita Narcisa Nunes, que procurou o Florescer na Mata para tratar a depressão: “É porque nossa alma se tranqüilizou”. 

 

Realmente, voltei de lá mais relaxada. À noite, preparei um chá com as folhas de minhas mudas – já plantadas na floreira da sacada –, tomei as gotinhas e dormi. Isso mesmo. Dormi até o dia seguinte. 

 

O que é ecologia médica?

 

O termo foi cunhado em 1939 pelo microbiologista francês René Dubos (1901-1982). Durante suas pesquisas sobre infecções tropicais, que culminou no potente antibiótico gramicidina, ele descobriu o quanto o meio ambiente interage no tratamento das doenças. Desde então, a expressão vem sendo empregada sempre que questões ecológicas se relacionam com a medicina.

 

Trata-se de uma estratégia terapêutica que vê a doença não como um fenômeno individual, mas como a evidência de um desequilíbrio ecológico. O enfermo é apenas uma parte do processo. Para curá-lo, é preciso curar sua relação com o meio em que habita.  Médicos e cientistas renomados são adeptos dessa filosofia.

 

Em 1950, o pesquisador americano Linus Pauling (1901-1994) constatou em estudos ortomoleculares que as queixas de muitos pacientes tratados com ansiolíticos eram, na verdade, carências vitamínicas decorrentes da microdesnutrição e intoxicação alimentar, conseqüência da produção agrícola mecanizada. A máxima se reafirmou: somos o que comemos. 

 

No Brasil, a ecologia médica está implícita em trabalhos reconhecidos, como o do psicanalista Danilo Perestrelo, que em 1982 lançou o livro A Medicina da Pessoa (ed. Livraria Atheneu), no qual sugere que toda doença é um convite para o doente rever seus hábitos e seu estilo de vida.  O médico Fernando Bignardi, diretor do Centro de Ecologia Médica Florescer na Mata, há mais de 18 anos também percebeu, ao praticar a homeopatia juntamente com o psicodrama, a complexidade envolvida na gênese das doenças. “Observei como meus pacientes, estimulados pelo medicamento homeopático, recuperavam a sensibilidade natural e percebiam a importância da qualidade dos alimentos”, conta.

 

Bignardi constatou ainda que grupos de pacientes expostos ao ambiente preservado da mata Atlântica apresentavam um quadro de recuperação mais rápido. “Foi assim que idealizei o conceito de Centro de Ecologia Médica: um local de natureza rural e silvestre, projetado para favorecer a reconexão das pessoas consigo mesmas e com a natureza da qual fazem parte.” 

 

Plantas de primeiros socorros 

 

Num pequeno canteiro de 1,50 m x 40 cm, é possível plantar cerca de sete espécies que ajudam no tratamento de problemas comuns.

 

Escolha um local que receba sol de manhã ou à tarde, use terra preta e, depois do plantio, proteja o solo com cascas de árvore. Regue sempre que julgar necessário. 

 

MIL-FOLHAS (Achilea millefolium) e ERVA-CIDREIRA (Melissa officinallis)

Serve para: TPM e dores musculares

Receita: Para uma xícara de água, ferva 3 folhas de Achilea e 1 folha de melissa. Abafe por 10 minutos 

 

SÁLVIA  Serve para: Dor de garganta, faringite, início de resfriado 

Receita: Mastigar 3 vezes ao dia meio galhinho ou, em uma xícara de água, ferva 1 folha da planta junto com um dente de alho. Abafe por 10 minutos 

DENTE-DE-LEÃO  Serve para: Cansaço, estresse 

Receita: Misture as folhas no preparo do feijão 

 

BARDANA e ERVA-CIDREIRA (Melissa officinallis)

Serve para: Processos alérgicos e como cicatrizante 

Receita: Para uma xícara de água, ferva 3 folhas de bardana e 1 de erva-cidreira. Abafe por 10 minutos e use em compressas 

 

BOLDO e ERVA-CIDREIRA (Melissa officinallis)

Serve para: Enxaqueca 

Receita: Para uma xícara de água, ferva meia folha de boldo e 1 folha de melissa. Abafe por 10 minutos 

 

BOLDO e CARQUEJA 

Serve para: Má digestão 

Receita: Para uma xícara de água, ferva meia folha de boldo e 2 cm de folha de carqueja. Abafe por 10 minutos 

Negligenciar o meio ambiente é abrir mão da própria saúde, alertam especialistas  
 
UOL NOTÍCIAS - CIÊNCIA E SAÚDE - set/10

 

 

Nevoa de poeira cobre a cidade de São Paulo na manhã de 04.09.2010; a cada ano, 4.000 paulistanos morrem por problemas decorrentes da poluição

 

Noites mal dormidas, problemas respiratórios, dor de cabeça, ardência e ressecamento dos olhos, arritmia cardíaca. Esses são alguns dos sintomas que muita gente sentiu em agosto devido à baixa umidade do ar em certas regiões do país.

Para especialistas em ecologia médica, ciência que observa todos os fatores ambientais e suas relações com a saúde, esse fenômeno não pode ser analisado de forma isolada, pois o que se vê é a pendência de uma crise mundial que clama por solução.

 

Na opinião do médico Alex Botsaris, especialista em doenças infecciosas e parasitárias e autor do livro "Medicina ecológica – descubra como cuidar da sua saúde sem sacrificar o planeta" (Ed. Nova Era), doenças como o câncer, depressão, ansiedade, infertilidade, dores na coluna e problemas neurovegetativos e no fígado são exemplos de patologias que podem ter o ambiente como fator desencadeante.

 

“Não dá para ter saúde num planeta doente”, afirma a bióloga Waverli Maia Matarazzo Neuberger , coordenadora do Núcleo Ambiental e do Curso de Gestão Ambiental da Universidade Metodista de São Paulo.

A especialista diz que, para entender esse fenômeno, primeiro é preciso lembrar que o homem não é um ser isolado, mas integrante do ecossistema. “A natureza reflete o que o homem é. Basta pensar nos rios, exatamente como o sistema circulatório do corpo humano. Para a terra, eles são as veias que permitem o fluxo da natureza. E o que temos feito com eles? É só olhar nas margens de qualquer rio para saber”, descreve. “Com o nosso corpo não agimos diferente: comemos mal, temos um estilo de vida sedentário, e o resultado são as doenças cardiovasculares”, completa.

No limite

Anthony Wong, diretor do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas de SP, pondera que a ecologia médica não deve ser vista como um novo modelo que prega apenas atitudes politicamente corretas. Para o toxicologista, o respeito entre o homem e seu ambiente é um valor que faz parte de todas as  culturas desde muito tempo. “O problema é que ele foi esquecido”, diz. “O princípio que rege esse valor se resume em não fazer para os outros o que você não deseja para si”.

Exposição a substâncias tóxicas começa em casa

Quando se pensa no impacto da degradação do meio ambiente à saúde, é fácil pensar na fumaça dos caminhões, em solos contaminados e nos mares poluídos. Mas a exposição às substâncias tóxicas também pode ocorrer dentro de casa. Dados da Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) indicam que materiais de construção, móveis, tabaco, fogões a lenha e outros objetos podem ser fatores de risco para o desenvolvimento de alergias, asma e até câncer, além de prejudicar o sistema imunológico.

 

Wong comenta que estamos vivendo uma situação limite, mas a maioria das pessoas está alienada ou já se esqueceu dos danos ambientais e suas consequências. Cita como exemplo Cubatão, o bairro de Ermelino Matarazzo e algumas regiões do ABC paulista, locais onde há espaços considerados desérticos em razão da desativação de lixões ou indústrias petroquímicas e automotivas. “Apesar disso, nada mudou”.

“No início da década de 2000, um condomínio popular construído em Mauá, sobre um terreno antes ocupado por um depósito de lixo a céu aberto, trouxe muitos prejuízos à saúde de seus moradores. O problema foi tão grave que a área teve que ser desocupada, sem falar da morte de uma pessoa após uma explosão causada pelo vazamento de gás metano", lembra Wong.

De acordo com os especialistas, todos os dias as pessoas estão expostas a agentes tóxicos, seja em ambientes fechados, seja nas ruas. A lista dessas substâncias é tão extensa, que nenhum deles arrisca especificá-las. Wong afirma que compostos como esses nos cercam por todos os lados; estão presentes na terra, na água e no ar.

Poluição

O médico Paulo Saldiva, coordenador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), fornece alguns dados que esclarecem a situação atual. “A cidade está doente, e o danos maiores vão para as camadas sociais mais baixas. Quando há uma enchente, para elas aumenta o risco de contrair doenças como a leptospirose e a hepatite B”.

Saldiva cita outro exemplo de desigualdade: todos convivem com a poluição. Mas quem anda pelos corredores e principais avenidas, à espera de ônibus, está mais exposto às altas doses de gases emitidos pelos ônibus, capazes de poluir nove vezes mais do que os veículos europeus.

O médico conta que esse tipo de poluição é a causa de 1 em cada 10 infartos, e 8 em cada 100 cânceres do pulmão em não fumantes.

Ele também informa que, a cada ano, 4.000 paulistanos morrem por problemas decorrentes da poluição; no mesmo período há 100 óbitos por Aids e 500 por tuberculose. “Enquanto isso, a quantidade de carros continua aumentando, ainda que nos horários de pico a velocidade máxima seja de 8 km por hora”, critica.

 

A engenheira química Simone El Khouri Miraglia, professora do curso de engenharia química da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coautora de um estudo publicado recentemente na revista "Fertility and Sterility", mostra como a poluição tem efeitos que muita gente jamais associaria ao meio ambiente: “Concluímos que a exposição a altos níveis de poluentes atmosféricos pode influenciar até no sexo dos bebês, fazendo prevalecer o nascimento de meninas”.

A alta concentração de poluentes aumenta também a frequência nos pronto-socorros. As pessoas são medicadas e voltam para suas casas. Segundo Neuberger, “Esses pacientes são verdadeiros sentinelas que anunciam a necessidade de uma mudança”.

Agentes de maior risco

Para o infectologista Botsaris, embora seja difícil enumerar tantos agentes tóxicos, existem grupos que ele considera mais agressivos para a saúde: os defensivos agrícolas, metais pesados (chumbo, cobre etc), policlorados (substâncias usadas pela indústria de eletroeletrônicos), bem como polímeros antichamas, capazes de penetrar no corpo humano por meio da pele. “Existem ainda as dioxinas, formadas a partir de plásticos e outras químicas. Quando há combustão desses produtos, eles são altamente tóxicos, mesmo em pequenas quantidades”, diz.

 

As pessoas mais suscetíveis ao impacto desses poluentes são as crianças, os idosos e os portadores de doenças crônicas. Mas na opinião de Fernando Bignardi, coordenador do Centro de Estudos do Envelhecimento da Unifesp e diretor do Centro de Ecologia Médica Florescer da Mata, os mais sensíveis são os que fazem as coisas de forma automática, sem tomar contato com a própria intuição. Esse seria o perfil dos que têm um estilo de vida estressado, dão pouca atenção ao sono e à alimentação. “Agir assim, leva naturalmente a alterações nas defesas naturais do organismo. Aí a doença se manifesta para lembrar a importância de buscar o equilíbrio. A pessoa pode ser fiel a isso, mudar a vida e se recuperar. Ou não!”.

 

Luz no fim do túnel?

Os especialistas são unânimes quanto ao fato de que estamos longe de políticas sanitárias e ambientais sérias, capazes de garantir sustentabilidade e evitar custos na saúde. “Os custos não são só de natureza econômica. Há ainda um preço a ser pago pela perda de bem-estar, longevidade, faltas no trabalho, sem falar do sofrimento causado por todas essas circunstâncias”, diz Miraglia.

Saldiva pondera que as pessoas têm falado muito e feito pouco. Na sua opinião, “educação, exemplo, noção de limites e de aspectos éticos, bem como eventual litigância, podem ser a solução do problema”.

Wong diz que o ideal seria a conscientização em massa de que as ações atuais afetam a sociedade e o ambiente como um todo e interagem entre si. Embora se saiba que nem todos ainda foram afetados diretamente pelas consequências da degradação ambiental, “é preciso ter em mente que o conjunto desses fatores contribui para a diminuição da qualidade de vida, tornam as pessoas mais suscetíveis fisicamente, o que resulta no aumento do risco de doenças”.

“Parece utópico dizer que cada um precisa fazer sua parte. Mas continuar nesse ritmo e condições levará à inviabilidade da vida para as próximas gerações. Não temos muita saída: ou consertamos isso, ou não teremos mais onde ficar”, conclui o toxicologista.

Meditação ajuda idosos a tratar doenças crônicas e a transformar suas vidas
 
Notícias R7

Primeiro passo: recuperar a percepção sensorial. Não sinta apenas os pés sobre o chão, mas, sim, sinta os pés, perceba-os separadamente. Segundo passo: respirar profundamente. Leve o ar até o baixo-ventre, movimentando o músculo do diafragma. Valorize as pausas após a inspiração e a expiração, fazendo uma respiração em quatro tempos.

 

Essa receita fez com que idosos da periferia de São Paulo melhorassem a qualidade do sono e se curassem de problemas como hipertensão, diabetes, depressão, dores físicas, entre outras doenças crônicas. A prática da meditação interferiu não apenas na saúde, mas transformou a vida dessas pessoas, trazendo outro benefício: qualidade de vida.

 

Um projeto desenvolvido pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) no Hospital Geral de São Mateus, na zona leste da capital paulista, está acompanhando 140 idosos que adotaram técnicas de meditação para alterar o estilo de vida. Após dois meses de acompanhamento em um primeiro grupo de 70 pessoas, 59 deles (84%) afirmaram praticar meditação ao menos uma vez por dia. Os 11 restantes disseram meditar ao menos uma vez por semana.

 

Nesse grupo que manteve o hábito diário, resultados preliminares mostram que 71% melhoraram a postura e o humor (42 pessoas), 64% a respiração (38), 62% a disposição (37), 57% o sono e a alimentação (34) e 45% acusaram melhora em relação a suas doenças crônicas (27). Uma parte deles melhorou ainda o hábito intestinal, dores físicas e a memória.

 

Já no grupo que afirmou fazer meditação apenas uma vez por semana, houve melhora em relação à postura, alimentação, respiração, hábito intestinal, respiração, sono e humor – porém, em percentual mais baixo. Não houve alteração em relação a disposição, memória, dores físicas e doenças crônicas.

 

De acordo com os pesquisadores, coordenados por Fernando Bignardi, médico homeopata, geriatra, gerontólogo e coordenador do Centro de Estudos do Envelhecimento da Unifesp, “a meditação tem se mostrado um importante recurso de promoção de saúde e transformação de vida". Bignardi conta que, "com a prática da meditação, observou-se um resgate do sentido da vida e da libido, acarretando saúde e bem-estar”.

 

Quarto nível

 

Segundo Bignardi, a meditação é um recurso que permite ao ser humano atingir um quarto estágio de consciência, reconhecido pela neurociência. Os três primeiros níveis são: a vigília, o sono e o REM (sigla em inglês que significa movimento rápido dos olhos; é o sono dos sonhos).

 

Além da percepção sensorial e da respiração profunda, quem medita tem mais outros dois passos. O primeiro é reconhecer sua verticalidade. Ou seja, a prática é feita na postura vertical: sentado, em pé ou até andando, só não deitado (existem exceções). E, por último, diz Bignardi, a formação de uma âncora: toda vez que um pensamento roubar sua concentração, é preciso trazê-la de volta para o ato meditativo.

 

- Na meditação, o cérebro está funcionando em ondas cerebrais mais lentas, que normalmente se apresentam em sono profundo. Só que, na meditação, as pessoas têm essas ondas cerebrais em estado de alerta.

 

Nilda Maria de Jesus, de 64 anos, é uma das participantes do projeto no Hospital Geral de São Mateus. Ela pratica meditação uma vez por dia, pelas manhãs, desde abril deste ano. Nilda conta que o hábito fez com que ela diminuísse a quantidade de remédios que precisa. Ela continua tomando diariamente um remédio para diabetes, mas diminuiu de cinco para quatro o número de comprimidos para hipertensão, e de dois para um o recomendado para as dores.

 

- Eu fiquei mais ativa, mais disciplinada e mais criativa. Não tenho mais dores nas costas e nas pernas. Não sinto mais falta de ar por causa do diabetes. Hoje faço tudo com mais tranquilidade, sou mais firme nas minhas decisões.

 

Segundo Bignardi, a partir da meditação (que foi a única intervenção nos participantes), observou-se mudanças na atitude mental.

 

- Isso era seguido de alinhamento postural, mesmo sem prática de fisioterapia. Essas pessoas passaram a respirar conscientemente ao longo do dia. Passaram a ter um sono reparador. Houve grande resposta no ritmo da vida.

 

Nilda conta que a meditação também provocou mudanças nos hábitos alimentares. Sua dieta hoje se compõe de leite desnatado, arroz integral, frango, lentilha, grão de bico e frutas. Antes da meditação, ela já vinha fazendo uma dieta alimentar, mas, com a prática, ela conta que ficou mais rigorosa. Resultado: dona Nilda emagreceu oito quilos em dois anos.

 

- Agora tenho mais responsabilidade comigo mesma. Se não fizer direito, eu acabo doente.

 

Missão de vida

 

A explicação para o potencial da meditação, segundo o professor da Unifesp, tem a ver com a missão que cada um tem na vida. Desviar desse caminho, diz o médico, é abrir as portas para as doenças.

 

- Todos nós temos uma razão para nossa vida, uma razão essencial. E, muitas vezes, as intempéries do cotidiano nos desviam disso. Nesse processo, o organismo reage com uma doença, que é um mecanismo para alertar a pessoa que ela precisa voltar para seu caminho original. A meditação possibilita a reconexão com a sua dimensão essencial.

 

Bignardi explica que, ao se trabalhar o homem num modelo quântico, e não mecânico, o humano é compreendido em cinco dimensões: física (em que se manifestam as doenças crônicas e dores físicas); metabólica (alimentação); vital (hábito intestinal, respiração, sono e disposição); mental (memória e humor, além da postura, que está na transição com a dimensão vital); e a supra-mental (em que age a meditação).

 

O que o hábito meditativo faz, diz o médico, é agir na última dimensão, a supra-mental, e, com isso, passa a agir nas outras dimensões por efeito cascata, interferindo, portanto, na memória, humor, postura, respiração, sono, disposição e assim por diante, até chegar ao começo, onde se encontram as dores físicas e doenças crônicas.

 

É por esse motivo que, no projeto na zona leste de São Paulo, aqueles que praticaram meditação todos os dias conseguiram modificações nas doenças crônicas, enquanto que os que só praticaram uma vez na semana não foram tão longe. O efeito cascata não alcançou as doenças crônicas.

 

Dona Nilda diz que 2010 foi o ano de mudança em sua vida, quando aconteceu “muita coisa boa”.

 

- Antes eu era a coitadinha, queria que meus filhos tivessem dó de mim. Não de propósito, mas lá dentro, sabe?

 

A razão da mudança, diz, é a sua calma e tranquilidade para resolver os problemas. Ela afirma até que voltou a realizar atividades que antes não fazia. Há quatro meses, ela foi à praia e voltou com muitas conchinhas. Mas, ao chegar em casa, não sabia o que fazer com aquilo.

 

- Fazia dois anos que eu não trabalhava com artesanato. E, quando vi as conchinhas, comecei a pintar dentro delas. Já até comprei mais tinta. É uma criatividade que estava se apagando e que agora está florescendo. São coisas simples que estão reativando. Vontade de viver e coragem.

 

Dona Nilda já ensinou a filha a meditar.

Meditação ajuda idosos a tratar doenças crônicas e a transformar suas vidas
 
Notícias R7

 

O ENVELHECIMENTO NO BRASIL 

 

Entrevista do Dr. Fernando Bignardi à rádio CBN

 

 

Estudos mostram benefícios de práticas como ioga e meditação à saúde

 

 

"Quando nem os contrários nem os semelhantes curam, o que convém é o que cura”. Esse é o terceiro princípio de Hipócrates, considerado o pai da medicina, mas resume os fins de uma nova abordagem médica denominada Medicina Integrativa. Trata-se da combinação da medicina convencional com terapias, sistemas e cuidados complementares, de eficácia comprovada, e que são usados em conjunto, de forma integrada. O tema foi objeto do 2º Simpósio Internacional de Medicinas Tradicionais e Práticas Contemplativas, organizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na semana passada.

A iniciativa de reunir profissionais da área médica para discutir os avanços do conhecimento, das pesquisas, segurança e eficácia de medicinas tradicionais e de técnicas como ioga, massagem e meditação atende à necessidade de encontrar novas formas de cuidados terapêuticos que garantam bem-estar físico, mental, espiritual e social às pessoas, metas que correspondem ao conceito de saúde estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Reconhecidas pelo National Institutes of Health (EUA) há mais de uma década, as terapias complementares só foram inseridas no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2006, por meio de uma portaria. No momento, medicina tradicional chinesa, homeopatia, fitoterapia, termalismo e medicina antroposófica são as modalidades disponíveis. “Além dessas terapias, 76% das unidades públicas já oferecem práticas corporais ou meditativas gratuitas (como tai chi chuan, lian gong etc), com resultados satisfatórios para a melhora da qualidade de vida de seus usuários", diz a coordenadora regional de Saúde da Prefeitura Municipal de São Paulo, Sheila Busato, presente no Simpósio.

Fernando Bignardi, médico homeopata e coordenador do Centro de Estudos do Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), um dos palestrantes do encontro, explica que “A medicina convencional tende a ver os fenômenos de forma reduzida e topográfica, enquanto a medicina integrativa sugere uma abordagem transdisciplinar”. Isso permite observar o doente e a doença em toda sua complexidade, segundo ele.


A inspiração para legitimar essa nova perspectiva vem das medicinas milenares que, segundo a médica Ângela Tabosa, coordenadora científica da Liga de Acupuntura da Unifesp, possuem “uma verdade comum que é ver o ser humano de forma abrangente”. “O que falta é difundir informações corretas para que as pessoas saibam, por exemplo, que a acupuntura é uma prática complementar integrativa, mas apenas compõe um sistema médico que vislumbra massagem, exercícios, e fitoterapia”, complementa.

Medicina tibetana
Men-Ram-Pa, ou Dr. Dawa, do Tibetan Medical&Astrology Institute conta que a medicina tibetana já é reconhecida nos EUA, em alguns países da Europa, Índia, Butão, Mongólia e Tailândia, onde existem centros de estudos especializados que já pesquisam a eficácia desse sistema. Os princípios que a regem se fundamentam num livro denominado "Quatro Tantras": “Segundo a tradição, o médico tibetano parte da premissa de que a maioria das doenças tem como causa o estilo de vida e a alimentação”, diz o especialista.
Numa consulta, o foco são as causas do desequilíbrio físico/mental que levaram à doença. “A visita dura em média 1 hora, e além da pesquisa cuidadosa sobre a forma como a pessoa vive, examinamos a língua, os dedos indicador, médio e anular, relacionados aos principais órgãos, além da pulsação”, explica Dawa. O tratamento pressupõe mudança de hábitos e remédios fitoterápicos.

Ioga e meditação
“Inúmeras pesquisas sobre ioga, que combina respiração, postura e meditação, têm apresentado resultados benéficos para a saúde”, afirma  a médica Shirley Telles, do National Institute of Mental Health&Neurosciences de Banglore, na Índia. “As investigações são importantes porque o homem moderno mudou seu estilo de vida e, com isso, sua fisiologia também se modificou”.
O impacto dessa prática é o objeto de estudo de Telles, que publicou um trabalho, em janeiro, na revista Medical Science Monitor, especializada em pesquisas clínicas e experimentais. A conclusão indica que a adoção de um programa de ioga, além de mudanças alimentares, podem ser úteis entre os obesos. O grupo estudado obteve melhora na estabilidade postural, redução da cintura e dos quadris, bem como diminuição dos níveis séricos de leptina (hormônio relacionado ao tecido adiposo). “Para usuários de computador, a ioga trouxe alívio para o desconforto músculo esquelético e lombar, e ainda aumentou a capacidade de digitação bilateral, bem como a rapidez dos toques da mão direita”, informa.
Estresse e ansiedade são sintomas de distúrbios como a esquizofrenia que, de acordo com a psicóloga clínica Tamara Russel, do Instituto de Psiquiatria do King's College London e do Western Psychiatric Institute and Clinic, da Universidade de Pittsburgh, nos EUA, podem ser atenuados com o uso de técnicas contemplativas como a Mindfulness (atenção plena), definida como a habilidade de estar consciente das próprias experiências para responder às situações de forma não automática. “Ainda não podemos falar em cura, mas o fato é que as evidências das pesquisas em curso mostram que quando mente, cérebro e corpo estão em sintonia, há melhora na qualidade de vida desses pacientes”.

Preconceito
Na opinião do sociólogo médico Nelson Filice de Barros, da Universidade de Campinas (Unicamp), preconceito e falta de conhecimento são os desafios a serem superados no percurso que leva ao entendimento do que é a medicina integrativa, um modo de praticar a arte médica que envolve vários especialistas de áreas diferentes e o paciente, colocando-os como protagonistas do processo de restabelecimento da saúde.
Barros lembra que as práticas complementares já foram consideradas uma espécie de movimento da contracultura, e que somente num passado recente foram admitidas como auxiliares da medicina convencional. “O que hoje vivenciamos é um caminho em direção ao estabelecimento de uma cultura de pluralismo, que confere ao paciente autonomia. A consequência, para ele, é mais consciência e responsabilidade pela própria saúde”, conclui.

 

 

E a grama do vizinho...
 
Vida Simples - Agosto 2010
 

A mania do perfeccionismo pode atravancar sua vida. Preste atenção e você verá que boa parte de seus sonhos só existe para satisfazer um modelo idealizado inatingível. Tirar do caminho essa casca de banana a tempo é nossa única saída

 

Texto:  Liane Alves

Ilustrações: Daniella Domingues

 

Todo publicitário sabe disso: somos basicamente movidos pela inveja. O desejo que dispara nossa vontade de consumir é o de querer ter o que outro tem, seja o carro do ano, a barriga tanquinho ou a família alegre que almoça ao redor de uma macarronada fumegante. Ora, ninguém vai invejar algo fácil de obter – porque, se é fácil, presume-se que todo mundo já tenha. Então, oferece-se o que é mais difícil de conseguir: o mais perfeito, o mais feliz, o mais bonito, amoroso, elegante ou sensual, enfim, o “mais mais” de qualquer coisa que possamos invejar. É assim que somos presos pelo anzol: não compramos apenas um produto, mas todo um modelo de beleza, status e perfeição que vem associado a ele. “Para nos aproximarmos do que é oferecido pela mídia, iremos comprar tudo ou fazer de tudo que nos dê a impressão de sermos tão perfeitos quanto o que vemos numa televisão ou numa revista. Sem parar para pensar no que estamos realmente fazendo conosco”, diz Regina Favre, psicoterapeuta, pesquisadora dos processos cognitivos e alguém muito atento ao sistema opressivo que traz dezenas de clientes ao seu consultório.

Nesse sentido, somos todos perfeccionistas, inclusive eu e você, que tateamos por uma vida mais simples e natural mas que ainda vivemos sob a influência da publicidade, da mídia e de muitos dos padrões vigentes. Como todo mundo, podemos estar ralando para cumprir modelos impostos sem perceber. E ralando muito, posto que a perfeição é mercadoria escassa nesse mundo naturalmente imperfeito. Além disso, ninguém vai nos contar que realizar o sonho de manter todas as áreas da vida sob controle é impossível, apesar de todo o esforço. Um corpo certinho não vai garantir relacionamentos plenos e amorosos, um emprego ideal ou a casa na praia não são sinônimos automáticos de felicidade. Este é o mecanismo perverso dessa história: a perfeição, mesmo quando é atingida, só nos chega aos pedaços.

Arapuca espertaEsse desejo subliminar de perfeição alimenta toda a estrutura econômica e social da nossa cultura. Mais e melhor é o grande produto oferecido por um sistema que ao mesmo tempo que nos apavora com o medo de envelhecer, de sofrer, de ficar feio, ultrapassado ou gordo nos propõe soluções instantâneas para resolver esses “problemas”.

“É uma configuração de terror e alívio. Somos estimulados, por exemplo, a ter pavor da celulite, do olho caído, do músculo flácido, enfim, de tudo que indique a passagem do tempo, mas ao mesmo tempo nos são oferecidas academias de musculação, cremes maravilhosos, plásticas”, diz Regina Favre. “Hoje, as academias estão abertas até as 4 da manhã para que as pessoas possam frequentá-las. É uma luta desesperada para manter a forma de acordo com um determinado padrão. Procuramos por um corpo idealizado, perfeito, não um corpo sentido, vivido”, diz ela. Podemos estar nele e nem sequer percebê-lo, como se ele fosse apenas uma roupa bonita que se veste para, basicamente, mostrar para os outros.

Dentro do pacoteSegundo Regina Favre, duas doenças contemporâneas testemunham nossas reações diante desse desafio da perfeição: a síndrome do pânico e a depressão. “Se prenuncio que não vou conseguir atender ao padrão de exigências estabelecido, começo a entrar em ansiedade e, depois, em desespero, em aflição: é o pânico que chega. E se, ao contrário, dou conta do fracasso em cumprir o que é proposto idealmente pelo mercado, posso ser tomado pela depressão.”

E por que será que desejamos a perfeição de maneira tão obsessiva? “Há o mito construído por essa mesma estrutura mercadológica de que se não formos perfeitos, jovens e belos seremos excluídos. Portanto, temos medo da exclusão, da obsolescência. É esse o fantasma que nos ameaça: sermos jogados fora do mercado, seja profissional, seja sexual ou produtivo.”

E, mesmo quando atingimos as altíssimas metas de perfeição que estabelecemos para nós, o resultado pode não ser aquele que esperamos. “Atendi um jovem executivo, ótimo profissional, com competência em várias áreas, financeiramente realizado que, casado com uma mulher tão bonita quanto ele, não conseguia ter relações sexuais com ela. Exatamente porque no amor vinha embutido o que ele mais temia na vida: a possibilidade do sofrimento, da insegurança, do fracasso e do risco”, diz Regina.

Esquecemos algo fundamental: que sofrer, arriscar-se sem garantias, sentir-se inseguro e provar sentimentos de perda ou falta fazem parte da riqueza de experiências que a vida pode nos proporcionar. “Existe toda uma cultura, e uma indústria, do antissofrimento. Há uma condenação geral dos processos naturais da existência, como o envelhecer, por exemplo. Enfim, excluem-se as possibilidades que pertencem ao viver.” Evita-se ao máximo vivenciar experiências que possam trazer o imprevisível, o inseguro ou o sofrimento – como o amor e a entrega, por falar nisso.

O resultado? Ficamos cada vez mais hesitantes em experimentar verdadeiramente o sabor da vida, com suas disparidades, imprevisibilidades, erros e acertos, bobagens assumidas e não assumidas. Ao optar pelo controle que vem atrelado ao desejo de perfeição, perdemos cada vez mais o aprendizado e o encanto dos enganos que a existência pode nos oferecer.

Mas vem aí uma boa notícia: uma vigorosa contracorrente a esse tipo de pensamento já está presente há uns 30, 40 anos na sociedade. “Ela questiona e rejeita essa configuração de estilos de vida rigidamente perfeitos. Propõe um modo de viver mais respeitoso às particularidades do indivíduo e a nossa integração com a natureza. Emergem novos tipos de valores que se distanciam do modelo da perfeição e falam de novas posturas que incorporam conceitos como o desapego e a noção de impermanência, por exemplo. A sociedade de consumo não é mais o padrão ideal.”

Há igualmente uma recusa em usar um único parâmetro de beleza ou daquilo que se convenciona chamar de sucesso ou de felicidade. Essa nova atitude começa com o respeito ao próprio corpo. “Tomar conta da configuração de si é um ato político”, afirma Regina Favre. Ser responsável pela própria saúde, pelos alimentos que consumimos, pelos ritmos internos e necessidades pessoais é uma nova posição de vida, mais consciente e individualizada, e não mais só coletiva e imposta.

Ainda bem. Não deixa de ser um grande alívio constatar que fazemos parte desse outro movimento e que há uma benvinda transição em curso.

E começa a revoluçãoSe há uma pessoa que sempre observou, com perfurantes críticas, o que nos é proposto pela família, cultura, sociedade e também pelo mercantilismo, esse alguém é José Ângelo Gaiarsa. Psiquiatra, trouxe questionamentos profundos, expressos em vários livros, sobre nosso modo de viver, nossas escolhas e padrões de comportamento. Conhecedor da fisiologia do corpo humano, em especial do cérebro, coloca em dúvida nossa capacidade de fazer julgamentos justos sobre os parâmetros que usamos ao avaliar a perfeição. Isto é, estalamos nosso chicotinho à toa quando decidimos que não somos perfeitos e que isso é suficiente para nos condenar à desgraça. “Estamos submersos em um mundo de palavras e conceitos que não têm valor real e que só nos trazem infelicidade”, diz o doutor Gaiarsa. Para ele, a maioria dos nossos julgamentos não resiste a um simples exame de lógica: são superficiais, enganosos e altamente falhos. Em outras palavras, nossas conclusões sobre o que é ou não é perfeito não são nada confiáveis. “Não temos condição de nos julgar, ou de nos condenar, com isenção. Tenho alergia a palavras como ideias, conceitos, julgamentos que não dizem nada e só aumentam a nossa confusão. Já o corpo não mente jamais”, diz ele, que, com 90 anos, continua com o raciocínio tão rápido quanto o de um adolescente.

Segundo Gaiarsa, a grande revolução começa ao sentirmos mais o corpo, ao termos um contato mais profundo e próximo com ele. Isso significa respirar melhor, movimentar- se mais livremente e de forma não repetitiva, experimentar toda a gama de sensações que os sentidos podem nos oferecer. O sentimento de vitalidade, autonomia, autoapreciação e bem-estar experimentado na posse do próprio corpo pode nos tornar menos vulneráveis a modelos externos e a comparações.

Com esse conhecimento, abre-se o espaço para o nascimento de uma nova consciência, mais independente e autônoma. E Gaiarsa explica como e por quê. Segundo pesquisas recentes feitas por ele, os três cérebros – reptílico, límbico e cortical – que constituem nosso sistema cerebral, e que foram se formando ao longo de nossa evolução peixe-anfíbio-mamífero, se alimentam do oxigênio de forma diferente. O cérebro reptílico, como o dos próprios répteis, consome muito pouco oxigênio; o límbico, responsável por nossas emoções, também. É o neocórtex cerebral, o mais recente em termos evolucionários e também o responsável por nossa capacidade de pensar, avaliar ou julgar, que consome mais oxigênio dos três. “Isso significa que, ao respirarmos mais profundamente, o córtex se ilumina: o raciocínio torna-se claro, as conexões cerebrais se ampliam”z, afirma. É como trazer gasolina azul para nossa capacidade de pensar. E a conclusão de Gaiarsa é espantosa. “Se respiramos mal, estamos alimentando apenas nossos cérebros mais primitivos. Ficamos reféns do medo e da agressividade, reações básicas do mecanismo de sobrevivência associadas ao cérebro reptílico, e das emoções negativas geradas no límbico, como inveja, medo, competição.” Ora, são essas as emoções que nos colocam a serviço de modelos impostos pela sociedade. É por competitividade que lutamos por um suposto território, é por inveja que consumimos. E somente a consciência, formada no neocórtex cerebral, pode nos livrar disso. “Não temos ideia de como a simples respiração pode nos ajudar a nos libertarmos dessas emoções e do domínio que elas nos impõem”, diz limpidamente o pesquisador.

Juro que nunca tinha pensado nisso. Respirar melhor traz mais clareza de raciocínio: podemos ver mais nitidamente onde estamos amarrando nosso burro. E, com isso, talvez possamos enxergar melhor os esquemas furadíssimos em que às vezes nos metemos. Só por essa descoberta, o doutor Gaiarsa já merecia um beijo.

Diagnósticos por coresOutras áreas da medicina também estão procurando sair do mundo dos conceitos e dos modelos rígidos preestabelecidos. Na Unifesp, em São Paulo, mais precisamente no Centro de Estudos do Envelhecimento, os diagnósticos, realizados por uma equipe transdisciplinar que inclui várias especialidades, são feitos por cores. Cada profissional faz sua avaliação, de acordo com sua especialidade, e a expressa usando giz de cera colorido. Depois, os participantes trocam entre si os papéis onde usaram os tons coloridos para tentar chegar a um padrão de avaliação e a um diagnóstico comum. Os significados atribuídos às cores seguem os padrões elaborados pelo escritor alemão Goethe, no século 19, e que ainda hoje são utilizados pela medicina antroposófica, por exemplo. A ideia tanto serve para ultrapassar as discussões intermináveis, onde cada um usava a linguagem específica da sua área e que não era comum a todos, como emprega um outro hemifério cerebral, o direito, para elaborar um diagnóstico.Isso não quer dizer que o hemisfério cerebral esquerdo, responsável por lógica, comparação e raciocínio, não seja importante e não vá ser usado em etapas posteriores. É que simplesmente não está com essa bola toda que atribuímos a ele. “É uma avaliação mais completa”, afirma o médico homeopata Fernando Bignardi, responsável por esse centro de estudos e pesquisas da Unifesp.As avaliações do paciente também incorporam o modelo quântico trazido pelo físico indiano Amit Goswami: o protocolo terapêutico vai levar em conta o homem em sua dimensão física, metabólica, vital, mental (incluindo a parte emocional e psicológica) e supramental (espiritual). Nada de modelos unidimensionais e unirreferenciais. A meditação é fortemente incentivada entre os pacientes, justamente para que possa ser facilitada a liberação de padrões rígidos de pensamento e, com isso, de comportamento. Inclusive vários estudos foram realizados sobre esses efeitos na população mais idosa. A perfeição não é mais a única meta, mas o equilíbrio, a harmonia e o bem-estar.Sinal de que o mundo está mudando mesmo. Até em áreas anteriormente tão resistentes a outros saberes quanto a medicina.

Quando vale a penaDepois que limpamos bem esse terreno, já é possível ver que geralmente usamos o desejo de perfeição da forma errada, por motivos fúteis, e para atender necessidades estimuladas por uma estrutura mercadológica de consumo. Mas depois de ver tudo isso, agora sim, podemos dizer que esse desejo também tem a sua utilidade. Os grandes gênios da humanidade se alimentaram dele: Michelangelo, Da Vinci, Einstein. Mas essa dedicação completa à perfeição estava a serviço da arte, da ciência e, para resumir a história, da humanidade. Eles podem ter estropiado sua vida pessoal por isso, inclusive. Também nada garante que fossem mais felizes ou realizados atendendo a esse chamado. Mas a verdade é que, em vez de procurarem unicamente sua felicidade individual, colocaram suas aptidões e talentos a serviço de algo maior, às vezes em detrimento de sua saúde, sanidade ou realização afetiva. Almejar a perfeição, portanto, pode nos levar a grandes realizações e feitos, a um aperfeiçoamento constante, até a obtenção de uma qualidade exemplar. Mas por vezes o preço é alto.

“Sede perfeitos, como o vosso Pai do céu é perfeito”, nos diz o evangelho. E onde o Criador seria perfeito? “Na generosidade”, continua o evangelista Mateus. Para mim é uma grande supresa essa segunda colocação: quase nunca ninguém lembra que tipo de perfeição nos é pedida. É um simpático motorista de táxi que me faz recordar isso quando digo a ele que estou escrevendo uma matéria sobre o tema.

Em vez de apresentar um modelo rígido e acabado de perfeição, sucesso e beleza, as palavras de Cristo propõem, ao contrário, um exercício de humanidade, naquilo que o ser humano tem de melhor: sua capacidade de amar, perdoar, ter compaixão e praticar a generosidade – inclusive consigo mesmo, no caso de erro e falta. Por isso, o desejo de perfeição não é, por si só, ruim. Não se encarado dessa maneira generosa. Nossa grande questão é, e sempre vai ser, onde vamos colocar esse desejo.

 

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